15 - DROGAS – A HISTÓRIA DO DIA.
15 - DROGAS – A HISTÓRIA DO DIA.
Estávamos no ano de 2015, mais precisamente no mês de maio,
quando em São Paulo o verão vai embora e o outono começa a dar “o ar de sua
graça”; na Baker Street tudo continua seguindo, como sempre, alguns casos mais
simples, outros mais complicados, o sistema de busca do Google nos
enlouquecendo para publicarmos nossos serviços, enfim a vida como ela é.
Passávamos pelo dia das mães, essa data tão querida, que se de
certa forma tem o poder de lembrar o Amor, também lembra a saudades e a união
das famílias; enfim como sempre toca o telefone e por traz daquela linha
ouve-se uma voz feminina de mãe, que relata o problema de sua filha
desaparecida e que, sabendo de nossa “fama” em desvendar mistérios e encontrar
pessoas; nos suplica por auxilio em encontrar a sua filha e traze-la para sua
casa.
Marcamos um horário para consulta, e as 11 horas de uma terça
feira, realizamos a consulta que passo a narrar:
Sobem para a sala de reunião, um casal, a mulher com seus 55
anos, alta e elegante, trajando um conjunto sóbrio, brincos e joias finas,
aliança na mão esquerda, demonstrando posses e um certo requinte; já o homem
com seus 35 anos, camiseta e calça jeans, tênis e sem ostentar relógio, marca
de roupas ou aliança nas mãos.
Adentram a sala e após os cumprimentos formais, indicamos que se
sentassem para enfim iniciarmos a consulta; imediatamente ela tomou a palavra:
-Meu nome é Valeria, e este é meu marido Gilberto; possuo uma
fábrica de doces, aqui no Tatuapé, e o que me traz a procura-los é o
desaparecimento de minha filha Regina, ela tem 21 anos, e em dezembro último,
após a sua formatura na faculdade simplesmente saiu de casa com uma mochila e
nunca mais retornou. Procuramos inutilmente seus amigos e seu ex-namorado que
alegaram nada saberem sobre o paradeiro dela.
Minha assistente Miriam, imediatamente realizou uma simples
leitura do casal que se apresentava, observando que ela seria mesmo a mãe,
pelos modos e a maneira de se expressar, dona da fábrica e responsável pela
condução do caso, ele com certeza não seria o pai da filha desaparecida e tão
pouco o responsável pela direção do grupo familiar.
- Compreendo, contudo estamos em maio e se ela desapareceu em
dezembro, por que nos procura somente agora? Relataram o desaparecimento na
Polícia? – Indaguei
-Sim, em dezembro mesmo fizemos um boletim de ocorrência de
desaparecimento, e ligamos aos amigos e ao ex-namorado, que nos disse que ela
precisava de um tempo e que em breve nos procuraria.
-Aconteceu algo que pudesse determinar que ela fugisse de casa?
naqueles dias em ela desapareceu? – Perguntei.
-Sim alguns dias antes, ela foi lá em casa com seu namorado
chamado Dario e seu irmão Rodrigo, quando eles estavam saindo encontraram meu
vizinho Renato que é delegado de polícia; e este os reconheceu como traficantes
e usuários de drogas do bairro de Itaquera aqui em São Paulo; ele imediatamente
nos comunicou; e nós a confrontamos.
Ela disse, que isso era o passado deles e que só porque eles
eram mais pobres e humildes a polícia ficava no pé deles. Mesmo assim exigi que
ela não mais o encontrasse; mas vocês devem conhecer jovens e sabem que ela
jamais concordaria conosco né; estou desesperada e preciso muito que nos ajude!
– Concluiu Valéria.
Acertadas as formalidades, como contrato e honorários passamos a
investigação preliminar, para localizarmos a jovem fugitiva.
Nestes casos de pessoas que “fogem de casa”, procedemos uma
investigação preliminar, onde apuramos o máximo possível de informação da
família para adentrarmos a raiz do problema, que neste caso levou a jovem a
sair de sua casa.
Apuramos que o homem apresentado pela cliente Valéria, não era
de fato seu marido e nem pai da jovem, o verdadeiro marido, empresário e que
residia no Canada, sequer sabia do desaparecimento da filha e a decisão da mãe
em levar o namorado para morar com ela e a família havia causado um conflito
doméstico.
Cientes do quadro que nos aguardava, iniciamos a busca pela
jovem desaparecida, voltamos nossas buscas aos registros telefônicos da jovem
nas datas que ela levara o namorado e seu irmão para conhecer a sua casa e
assim pudemos identificar a ele e ao irmão. Apuramos que ambos possuíam extensa
ficha criminal e estavam envolvidos com o tráfico de drogas aqui em São Paulo,
passamos a procurar as amigas e amigos de faculdade e tivemos uma dolorosa
constatação.
Nossa procurada, estaria envolvida com o uso e tráfico de
drogas, pois era usuária de cocaína e drogas sintéticas há pelo menos um ano.
Descobrimos o endereço do seu namorado e o investigamos,
descobrimos que ele também havia saído de casa para morar com a Regina, segundo
disse ao irmão e aos pais, contudo eles ignoravam seu endereço pois cientes de
sua dependência química, preferiam ficar distantes deste problema e relegavam o
próprio filho por sua conta e risco.
Seguindo as pistas de Rodrigo, chegamos há uma pensão no centro
de São Paulo onde Dário residia com Regina, até a dias atrás, quando então
soubemos que eles visitavam sempre um local de usuários de drogas chamado de
Cracolândia, e de lá não haviam retornado nas últimas 48 horas.
Em posse destas informações, chamamos a nossa cliente Valéria e
a colocamos a par da real situação; cabe um esclarecimento aos leitores e
amigos, que aqui em São Paulo, quando nos referimos à Cracolândia é necessário
que o leitor imagine um espaço de pelo menos 50.000 metros quadrados divididos
em quarteirões ocupados por pelo menos 4 mil dependentes químicos, utilizando e
comercializando drogas livremente, onde a própria polícia, os guardas
municipais conseguem, pela demanda de pessoas, intervir nos acontecimentos que
lá ocorrem.
Chamamos a nossa cliente Valeria para vir ao nosso escritório e
a colocamos a par da situação e ela pediu que resgatássemos a sua filha Regina,
assim ela poderia interná-la em uma clínica de recuperação; esclareceu que
largaria o namorado e mudaria inúmeras coisas em sua relação com a filha.
Olhando em seus olhos lhe disse, que precisaríamos planejar uma
verdadeira operação de guerra, pois teríamos de localizá-la e atrai-la para que
o socorro, assim a internação poderia ser concretizada.
A preparação, esclareço envolve mapearmos o local, conhecer,
buscar agentes experientes para adentrarmos a área da Cracolândia, seguros e
sem chamarmos a atenção.
Recordo-me muito bem, nesta data, solicitei um agente chamado Átila
para nos auxiliar neste trabalho, meu amigo é um policial militar aposentado,
com muita experiencia em sua carreira policial, que inclusive compunha a equipe
do batalhão de choque da Polícia Militar quando do famoso episódio do Carandiru
em São Paulo, mas isso já é outra história.
Chamei-o ao nosso escritório e narrei a situação e traçamos uma
linha de ação que seguiríamos a partir deste momento.
Na manhã seguinte, uma quarta feira de sol em São Paulo, nos
encontramos as 08 horas da manhã e nos disfarçamos de indigentes com roupas
sujas e rasgadas, seria apenas eu e meu agente a tratar com pessoas doentes e
na maioria das vezes invisíveis, em um local sujo e incerto que estávamos
prestes a conhecer; recordo-me neste dia, utilizar uma tala de madeira na perna
para caracterizar uma perna manca, que não chamaria a atenção e seria útil caso
ocorresse algum entrevero, também serviria de arma branca.
Caracterizados, eu e o Átila, embarcamos em nosso carro, Miriam,
minha assistente, elogiou nosso disfarce, mas criticou o cheiro, indagamos se
ela conhecia algum “mendigo” cheiroso; brincadeiras à parte nos deslocamos para
o centro da cidade e descemos há alguns quarteirões do destino final.
Sem telefone celular ou algum outro meio de comunicação,
possuíamos apenas a segurança um do outro, adentramos assim a chamada Cracolândia,
a cena aos nossos olhos era Dantesca, eram centenas de pessoas emaranhadas em
montes de lixo e barracas improvisadas no meio da rua, onde comercializavam
drogas de todo o tipo, com traficantes exibindo armas, homens, mulheres e até
mesmo crianças, muitos consumiam o crack em cachimbos improvisados e deitavam
pelos cantos das ruas, construções como galpões e hotéis abandonados eram
tomados como endereço fixo do tráfico humano e de drogas, ofereciam aparelhos
celulares roubados, bem como outras tantas mercadorias pelo meio da rua.
Havíamos mapeado as ruas da região, e seguindo as orientações do
Rogério fomos a um estacionamento onde mulheres jovens prostituíam-se em troca
de drogas ou de qualquer trocado que lhes adiantassem o maldito consumo; eram
pelo menos 10 a 15 mulheres, algumas meninas ainda, todas com roupas minúsculas
que se ofereciam ou eram oferecidas aos que lá entravam, sob o olhar atento de
um homem negro e jovem que usava boné e óculos escuros e ostentava uma pistola
na cintura. O sol brilhava forte e o calor de maio tornava aquele ambiente
quente e sufocante, cheiro muito forte e desagradável tomava o ambiente,
passamos a tentar identificar Regina, a avistamos em um canto, deitada, ainda
sob o efeito da droga, contudo tinha um copo de café nas mãos, o que nos
apresentava um bom sinal, que pelo menos ali, naquele momento ela estava
disposta e poderíamos conversar com ela e atrai-la para fora daquele
estacionamento. Precisávamos agir rápido, pois se ela saísse dali, dificilmente
a encontraríamos novamente, de imediato imaginei um plano e chamei o Atila e
combinamos:
-É o seguinte, eu vou provocar um tumulto, uma briga acerca de
uns vinte metros de onde ela está, (esclareço que eu era o mais indicado para
iniciar o tumulto, pois sou baixinho e sempre nos tumultos profissionais sou o
primeiro a ser agredido; já o Atila é alto e forte se começasse uma briga
alguns nem entrariam ou simplesmente iriam embora); enquanto isso ele iria até
a Regina e a convidaria a sair dali e fazer um programa em um Hotel fora do
centro, com banho e almoço, aceitaria pagar o preço que ela exigisse,
dizendo-se encantado por ela; nos separaríamos e os encontraria dentro de duas
horas no referido hotel, ao chegar no hotel ele ligaria para o escritório e
imediatamente chamaríamos a família para nos encontrar no hotel. – Conclui.
Atila ouviu atento as instruções e concordou plenamente pois sabia que não
teríamos outra oportunidade.
Combinada a ação, nos separamos e fui até uma banquinha que
vendia pedras e crack, com uma balança, coloquei a mão em frente aos meus olhos
segurei meus cabelos e comecei a gritar que queria comprar crack, peguei alguns
trocados que carregava no bolso e joguei sobre o vendedor praguejando e
ofendendo, gritava palavras de ordem e incitava a anarquia, por alguns segundos
todos ficaram me olhando, com dó e sem me agredir, como não produzia o efeito
desejado chutei a mesinha e atirei o dinheiro, assim fui agarrado e contido,
levei alguns socos e fui atirado para fora daquele estacionamento, a ação durou
poucos minutos, que foram suficientes para o Atila conversar com a Regina.
Sai de lá e fui em direção a Estação da Luz, liguei para minha
assistente e contei o planejado, peguei um taxi e retornei a Baker Street,
quando cheguei o Atila havia acabado de ligar dando o endereço do Hotel que
ficava na região da Praça da República; Miriam havia acionado a família da moça
que imediatamente chamou um médico especialista em dependência química e que
nos encontraria no Hotel dentro de uma hora.
Atila é um agente com formação policial e psicológica, levou
Regina para o hotel e no caminho disse que ela lembrava muito a sua filha que
havia falecido, que pagaria apenas pela sua companhia, disse que almoçariam lá,
e a pagaria o dobro do combinado, o que deixou Regina mais tranquila e
relaxada, conversaram muito e lógico que tudo que ele contou era apenas o que
ela queria ouvir, a sua missão neste momento era deixa-la tranquila para o
reencontro com a família e o médico especialista.
As quinze horas, chegamos todos ao hotel, nos apresentamos na
recepção e pagamos ao atendente para nos permitir a privacidade que o momento
exigia, não sem antes recordá-lo que se não colaborasse chamaríamos a polícia e
faríamos um grande escândalo que prejudicaria muito o seu estabelecimento.
Subimos e batemos a porta, Átila atendeu e entramos em companhia
da cliente e do médico responsável, ao perceber a nossa presença ela manteve-se
calma, explicamos a ela nosso trabalho de acha-la e que ela teria de conversar
a sós com a mãe e o médico, que nos retiraríamos e os aguardaríamos na recepção
do Hotel.
Assim procedemos, mesmo porque neste momento a nossa missão de
localizar Regina já estava cumprida. Para nossa alegria e satisfação a garota
compreendeu o esforço da mãe e internou-se voluntariamente na clínica.
Quanto a nós, retornamos a Baker Street, não sem antes um bom
banho e vários curativos, mas com o coração bem lavado; em nossa mente ainda
permanece a miséria das imagens vistas, da dimensão da tragédia humana que se
instalou naquele pedaço desta nossa grande cidade, face esta praga que se
tornou a proliferação livre das drogas.
Nossa torcida para que o poder público um dia resolva a esta
questão, e até lá permanecemos não apenas encontrando pessoas, mas as
auxiliando a traçar o seu futuro.
Despertamos para a realidade de que, nuca poderemos mudar o
passado, mas com amor, certamente escreveremos um novo futuro.
FIM.
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